Desde setembro do ano passado, 2023, cerca de 90 cidades do Rio Grande do Sul foram alagadas três vezes. As enchentes ocorreram nos meses de setembro e novembro de 2023 e agora, em maio de 2024. Muçum, no Vale do Rio Taquari, foi uma das atingidas pelas três tragédias e, segundo um funcionário da Caixa, possivelmente não se reerguerá da mesma forma que existiu até então.
J., como será chamado o empregado da Caixa que concedeu uma entrevista ao Comitê Popular de Luta em Defesa da Caixa na manhã do dia 8 de maio, relata a desesperança frente a tantas perdas e a necessidade de uma mudança drástica no modo de vida de todos para combater a crise climática.
A tragédia na Caixa e a Caixa na tragédia
Conforme conta J., desde a primeira enchente a situação na Caixa mudou drasticamente. Com a inundação total da agência, os empregados foram realocados em uma sala pequena, “Em um espaço que caberiam quatro pessoas, 50 trabalhavam. Não havia refeitório e a situação do banheiro era bastante inadequada”.
Contudo, a estrutura foi a única disponível na cidade. E, ficou cheia graças a solidariedade de empregados de todo o País, que voluntariamente se deslocaram para atender à tragédia.
“Os colegas tinham que ter um psicológico forte, e trabalhavam também como terapeutas”, relembra. Conforme explicou J., em setembro de 2023 cerca de 80% da cidade foi alagada, resultando em 25 mortes. “Em uma cidade de 4 mil habitantes, 25 mortes têm um impacto muito forte”. As outras enchentes subsequentes, acrescentaram ainda mais destruição, mais medo e mais dor. “As pessoas vinham à Caixa dizendo: acabei de perder o bem que adquiri em setembro (na última enchente) e só paguei duas parcelas”, além da imensa tristeza em contar coisas como: “Perdi meu filho, perdi meu marido”.
Cada empregada e empregado da Caixa que se voluntariou a atender em Muçum foi responsável por conseguir a liberação rápida de seguros residenciais, empresariais e habitacionais. Segundo J., esse dinheiro foi o maior responsável pela reconstrução da cidade após setembro, após novembro e, muito provavelmente agora, após a água baixar depois da tragédia de maio.
Os voluntários e voluntárias ainda agiram com a maior rapidez possível na liberação do FGTS e de outros benefícios possíveis quando estados e municípios decretam estado de emergência e calamidade pública. “Alguns desses funcionários inclusive ajudaram as prefeituras nos trâmites burocráticos para a decretação dos estados de emergência e calamidade”, ressalta.
Mudanças climáticas exigem mudanças em todos os aspectos da vida
Estudos apontam a necessidade de mudar de lugar cidades inteiras no Rio Grande do Sul. Três alagamentos em menos de oito meses mostram que certos lugares não serão mais seguros para a vida urbana.
À BBC, o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em ciências e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), afirmou: “Não adianta querer reconstruir tudo o que foi destruído nesse evento de agora tentando fazer como era antes. Isso já não dá mais”.
Após três enchentes em menos de 8 meses, J. concorda. O poder público não deve seguir investindo na recriação de estruturas nos mesmos moldes que havia antes. Opinião que complementa a visão do ecólogo Marcelo Dutra da Silva: “Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar. É preciso afastar as infraestruturas urbanas desses ambientes de maior risco, que são as áreas mais baixas, planas e úmidas, as áreas de encostas, às margens de rios e as cidades que estão dentro de vales”, disse à BBC.