CAIXA, um bem público na vida das pessoas.

Fake News: a prática que tornou a vida dos brasileiros um eterno 1º de abril

Infelizmente, temos vivido numa condição de mitomania, em que o hábito de mentir ou fantasiar

acontece de forma desenfreada e o mentiroso se apresenta como herói ou vítima

 

Da Redação

Na atividade de Inteligência, é antigo o uso de ações que consistem na propagação intencional de notícias com a finalidade de confundir alvos (pessoas ou organizações) tencionando o cometimento de equívocos de apreciação, o que leva os alvos a um comportamento pré-determinado, pretendido pelo difusor das notícias. Trata-se da ação operacional de Inteligência denominada “desinformação”. Tal artifício, muito empregado no meio militar, é a principal arma da alt-right – a direita “alternativa”-,  mundial desde meados da década passada.

No frio de setembro de 1944, folhetos arremessados à Força Expedicionária Brasileira, no front napolitano, além de mensagens de rádio, faziam parte dos métodos nazistas utilizados para desencorajar as tropas brasileiras[1]. Diversos argumentos falaciosos eram utilizados pelos germânicos, como os referentes ao soldo dos “pracinhas”, alertas sobre o intenso inverno, etc. Os alemães, deste modo, desejavam a rendição de mais de 25 mil militares tupiniquins.

De lá para cá, a partir do advento da internet e das redes sociais, com as taxas de conexão cada vez mais altas, somado à vulgarização de dispositivos capazes de conectarem-se à rede mundial, era natural que tal meio fosse usado para efetuar a prática de desinformação, mas de um modo fortemente potencializado em relação aos primórdios da utilização dessa espécie de ação.

Visando utilizar-se de estratégias bélicas, tal como a descrita, Steve Bannon, juntamente com o bilionário Robert Mercer, cofundou a Cambridge Analytica, em 2014, como sendo uma filial estadunidense da Strategic Communication Laboratories (SCL)[2]. O grupo SCL já possuía, por sua vez, uma bagagem em “mudança comportamental” e já teria atuado em mais de sessenta países, conforme a encomenda das forças armadas britânicas.

Bannon é uma figura bastante polêmica. De extrema direita, ele e sua Cambridge Analytica estaria por trás da ascensão da chamada alt-right – a direita “alternativa” –, tendo influenciado diversos movimentos conservadores pelo mundo, como a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, fenômeno conhecido pela sigla Brexit (cujo referendo ocorreu em 2016), a eleição de Trump, no mesmo ano, e as duas eleições para Presidente de Jair Bolsonaro, em 2018 e 2022. Bannon e Bolsonaro chegaram a se reunir em um jantar em Washington DC, em 2019, situação em que estavam também Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, o chamado guru de Bolsonaro[3], morto no ano passado[4].

O constatado é que os métodos utilizados pela alt-right atual apresentaram-se bastante eficazes para a definição de diversos escrutínios, independentemente do mérito dos objetivos alcançados. Questiona-se, assim, se a esquerda ou atores de espectro político diverso poderiam também utilizar-se dessas práticas.

Conquanto sejam ações bem-sucedidas, são notadamente abomináveis. Afinal, o conteúdo disseminado nessas operações consiste em discurso de ódio, fake news e pós-verdades[5]. Então a distorção de fatos apresentada acaba por ser uma ameaça à própria democracia na medida em que as informações sobre os candidatos, ou sobre a pauta que será escolhida, não permitem que os eleitores decidam de acordo com seus interesses, podendo, até mesmo, optar involuntariamente em sancionar algo desfavorável ao que pretendem.

É necessário destacar que a exigência de transparência de dados é desejável independentemente do sistema socioeconômico que se adote. Afinal, aquele que vai consumir o produto precisa estar ciente do que realmente levará para casa, caso contrário, cai-se na chamada “propaganda enganosa”.

A utilização e a ocupação maciça das redes sociais, por grupos de esquerda nessas últimas eleições brasileiras talvez tenham dado um rumo no que se refere ao combate às práticas imorais e ilegais adotadas pela alt-right nesse meio. A esquerda tupiniquim, em 2018, perdia nesse quesito de tal sorte que, até perceber onde estava o trem, ele já havia passado por cima.

São polêmicas, contudo, as formas de abordagem para enfrentamento eficaz das desinformações repassadas por meio das redes. Em recente entrevista[6] efetuada para a jornalista Patrícia Campos Mello, Cristina Tardáglia, fundadora da Agência Lupa, sugere o uso do chamado “silêncio estratégico” para estancar, assim, a propagação da desinformação.

Outras possibilidades foram cogitadas por Soroush Vosough, Deb Roy e Sinan Aral, que sugerem que as políticas de contenção de informação devem enfatizar intervenções comportamentais, porquanto o comportamento humano contribui mais para a disseminação de notícias falsas, nas redes sociais, do que os bots, tendo sido essa uma das conclusões da pesquisa apresentadas à Science, em 2018, pelos cientistas[7].

Já o trabalho feito em 2017, por S. Lewandowsky, U.K.H. Ecker e J. Cook[8], sugere que seria incorreto afirmar que basta mais ou melhor informação para avançar no combate à desinformação. Segundo os pesquisadores, a solução requer mobilização e ativismo político a ponto de criar ferramentas adequadas para minimizá-la. O problema da pós-verdade, então, seria resolvido somente com a motivação suficiente entre os políticos e o público para ser informado, na medida em que houvesse incentivos políticos, sociais e profissionais com a finalidade de adequadamente informar.

Por tudo isso, veículos corajosos e que se propõem a iniciativas como as do Comitê da CAIXA, são de extrema importância para contribuir para a sanidade da nação. Independentemente de ser patológica ou não a compulsão por distorcer a realidade, a mentira deve ser contida para que não se torne “uma verdade”. Mais canais que propagam a veracidade precisam surgir para que não sejamos bombardeados pelos canais virtuais que entorpecem a mente das pessoas com fantasias e alucinações.

Em 1986, a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii já cantava: “Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”… “O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada”. Coincidência ou não, a história se repete e nos encontramos, em 2022, num cenário de alucinação coletiva.

 

[1] https://oglobo.globo.com/brasil/historia/panfletos-alemaes-escritos-em-portugues-exigiam-rendicao-brasileira-na-segunda-guerra-14505168

 

[2] https://edition.cnn.com/2018/03/30/politics/bannon-cambridge-analytica/index.html

 

[3] https://www.oprotagonistapolitico.com.br/bolsonaro-janta-com-olavo-de-carvalho-e-steve-bannon-nos-eua/

 

[4] https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/a-tragica-ironia-da-morte-de-olavo-de-carvalho/

 

[5] https://www.seesp.org.br/site/index.php/comunicacao/noticias/item/19628-pos-verdade-fake-news-democracia-e-tecnologia-que-fazer

 

[6] https://youtu.be/bfutdf951TQ

 

[7] https://www.science.org/doi/10.1126/science.aap9559

 

[8] https://research-information.bris.ac.uk/ws/portalfiles/portal/152516154/Pages_from_JARMAC_2017_59_Revision_1_V1.pdf