Ou Como é possível sucatear uma empresa sob o argumento de metas, de reengenharia
e readequação ao famigerado mercado
*Texto enviado por colega da rede
Este não é apenas mais relato auto etnográfico, esse é um depoimento real, é uma tentativa de se fazer ecoar aos ouvidos mais atentos a maneira atroz da transformação do que fora, um dia, uma imensa e imprescindível empresa, que servia e serve com excelência, sobretudo, de braço operacional das ações sociais do Governo Federal.
Não sei identificar o tempo que me tocou a fundo almejar fazer parte da Caixa Econômica Federal, mas sei dizer o quanto essa sensação foi transformadora em minha vida, e do quanto eu depositava meus anseios mais sinceros em compor seu quadro funcional. Não era para menos, desde cedo meus pais compartilhavam amizade com um casal de amigos, e que nos era sabido que ambos trabalhavam na Caixa. Então foi natural para mim saber da importância dessa estimada empresa para o Brasil, suas ações de desenvolvimento e de inclusão social por ela desenvolvidas.
Esse relato inicial é importante para situar o leitor, para mostrá-lo como é possível sucatear uma empresa de tamanha importância, sob o argumento de metas reestruturantes, de reengenharia e readequação ao famigerado mercado. Na esteira dessas ações aludidas, é possível ainda abrir caminho para precarização de mão de obra e enfraquecimento das relações trabalhistas, a partir de metas abusivas e inatingíveis, gerando adoecimentos, suicídios e afastamentos definitivos de seus funcionários. Tentarei ainda servir de caminho e desmontar a ideia insensata da perseguição do resultado que hoje impera na empresa, ainda que o custo disso seja abrir mão de sua expertise e vocação social.
Foi com muita alegria que soube do resultado do concurso de 2014, e que eu havia ficado em excelente colocação em meu polo. Para mim, era questão de poucos meses até finalmente poder figurar como empregado da Caixa. Não sabia eu que ali começaria uma caminhada de sete anos, no que parecia não haver mais fim, ainda que o fim fosse a definitiva decorrência do prazo do concurso, que até então se sustentava em liminares e apoiada em uma decisão de primeira instância, movida pelo MTP/TO e impulsionada, sobretudo, por ações promovidas pelo Sindicato dos Bancários de Curitiba, sem o qual esse relato não seria possível.
Abster-me-ei de citar nomes fundamentais nessa longeva batalha, que ainda hoje se arrasta nos tribunais, para manter em sigilo identidades e para evitar perseguições. Ao entrar na Caixa foi com grande sacrifício que busquei aprender dos mais diversos sistemas e programas. Era necessário ainda fazer alguns cursos, e essa era a melhor parte, embora não sobrasse tempo para efetivamente fazê-los. Em todo caso, eu era cobrado pelos cursos, e a questão do tempo que dispunha, ou não dispunha para fazê-lo, era contabilizado como culpa minha, que não conseguia gerir meu tempo no trabalho.
Foi nesse clima belicoso que me vi lançado. Era orientado pelos gerentes que a sensação de não saber utilizar os sistemas era normal, e que logo eu aprenderia, mas seria por conta própria mesmo. Que não haveria curso para operá-los, eu já sabia. O que não sabia era que, mesmo antes de aprender sobre qualquer um dos sistemas, eu já atenderia ao público nas questões mais complexas. Foram meses difíceis, de poucas vezes que encontrei amparo nos colegas. Não por maldade deles ou negligência. Na verdade, estavam eles também assoberbados de trabalho, e a eles também não havia a quem recorrer.
No decorrer dos três meses do probatório, a máxima era: ou vende ou a chance de ficar será pequena; aqui precisamos de vendedor; de atendente as Casas Bahia estão cheias. Senão bastasse esse cenário, a orientação que norteava o atendimento era feita de que deveríamos não perder tempo com contas pequenas de pouca movimentação, e que a visão social era voltada para produção de negócio. Essa foi uma punhalada na minha visão de cuidado com que a empresa dispensava às questões sociais.
Sou esperançoso, persistente, um teimoso mesmo, e ainda assim, diante disso tudo, resolvi continuar acreditando que esse “DNA” social que a empresa sustenta um dia lhe devolva a dignidade de guardiã dessas incontáveis e imprescindíveis iniciativas. Eu acredito ainda que seja possível, enquanto funcionários, empregados, colaboradores lutar pela defesa desse inestimável e insubstituível patrimônio. E reivindicar, independente de governo, que a Caixa continue sendo vista como ferramenta de Estado, como indutora de desenvolvimento nas ampliações das ações sociais por ela desenvolvidas, e que permaneça firme na defesa dos interesses da maioria abandonada pelo mercado, oferecendo-lhes serviços e produtos que efetivamente se traduzam em melhoria na qualidade de vida de toda a população brasileira. É nessa Caixa que acredito, é nessa Caixa que quero forte e cada vez mais presente no nosso cotidiano.