CAIXA, um bem público na vida das pessoas.

Do protagonismo à irrelevância: a negligência do governo rebaixou o papel das Ouvidorias públicas

Por Isabel Gomes*

 

A CAIXA foi o primeiro banco brasileiro a ter uma Ouvidoria. Recebi o desafio de estruturá-la em meados de 2002. A eleição do presidente Lula, meses depois, abriu a perspectiva de se introduzir uma nova forma de gestão: participativa, com transparência e inclusão social. Uma administração que refletisse dentro do banco os valores defendidos na campanha, com ideais de solidariedade, paz e justiça social.

Naquele momento, a Ouvidoria encampou o SAC, que se dedicava a administrar as reclamações dos clientes, atuando apenas como um intermediário das queixas e fiscal das respostas. Aos poucos, foram implantados projetos estruturantes para dar visibilidade à área e, sobretudo, amplificar a voz dos clientes e empregados. As milhares de ocorrências eram transformadas em relatórios periódicos e pontuais. Os documentos enviados aos responsáveis por produtos e serviços que precisavam ser aperfeiçoados. A Ouvidoria adotou um comportamento ativo, analisando as ocorrências como quem garimpa uma mina de ideias.

Foram criados projetos importantes, como a Ouvidoria Itinerante, que visitou 39 superintendências regionais, em todas as regiões do País. Cerca de 400 agências foram visitadas e dezenas de reuniões com gerentes de atendimento foram realizadas. Não para dizer o que eles tinham que fazer, mas antes para ouvir os problemas e identificar os gargalos no atendimento. Dos encontros resultaram relatórios apontando deficiências tecnológicas decorrentes da falta de investimento, carência de pessoal, adoecimento, agências precárias e situações em que a empresa empurrava para o CPF do empregado problemas notadamente decorrentes do modelo de negócio.

Parcerias com o Jurídico e diversas áreas internas permitiram à Ouvidoria propor soluções que geraram várias conciliações amigáveis e evitaram ações judiciais. Em um momento em que a CAIXA retomava o controle de áreas estratégicas como Penhor e Loterias, implantando novos sistemas e, naturalmente, sofrendo as dores de um processo pós-operatório. Para aproximar empregados e dirigentes foi criado o Gestor em Pauta. O projeto facilitou aos gestores a prestação de contas sobre situações críticas e as medidas adotadas para superá-las. Não foram poucas as situações em que críticos das mudanças se tornaram parceiros para a superação de obstáculos. Tudo com transparência e participação.

No plano institucional a Ouvidoria da CAIXA tornou-se referência. Em absolutamente todos os mais importantes eventos de Ouvidoria realizados no País a CAIXA esteve presente, como protagonista. Dezenas de casos de sucesso foram relatados e muitas experiências foram replicadas por empresas públicas e privadas. Os relatórios anuais de Ouvidoria foram tratados como documento público, mostrando como um banco que pertence a todos os brasileiros e brasileiras deve lidar com as queixas que recebe. Até mesmo a Ouvidoria Geral da União tinha na Ouvidoria da CAIXA uma parceira e fonte de subsídios.

Nos últimos anos, a Ouvidoria da CAIXA perdeu totalmente a relevância institucional e se ateve a cumprir o papel burocrático, dentro do estritamente previsto pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e FEBRABAN. E não poderia fazer mais, dado que a administração proibiu a publicação de qualquer documento que não fosse aprovado por um diretor ou pela assessoria do presidente da empresa. Até mesmo a publicação de artigos – que tem o importante papel de disseminar a ideia de gestão participativa e transparência administrativa – no Jornal da CAIXA, foi vetado. A censura foi tão severa que mesmo os resultados dos rankings trimestrais de reclamação do Banco Central só têm sido publicados quando considerados positivos para a imagem do banco esquecendo que uma ouvidoria é antes de tudo a voz do cliente e do cidadão dentro da organização: transparência zero.

Mas há que se fazer o registro do profissionalismo do corpo técnico da Ouvidoria. Graças às rígidas regras do CMN, a Ouvidoria sofreu menor interferência da administração de Pedro Guimarães, mesmo tendo perdido a independência. Acredito que a falta de liberdade para uma atuação que formulasse ideias novas nos planos institucionais e dos direitos dos consumidores foi aproveitada para a implantação de sistemas e processos que serão muito úteis numa nova administração. Esses empregados conhecem muito bem como os clientes sentem e pensam. E, seguramente, poderão ser relevantes para a CAIXA retomar sua missão social.

A Ouvidoria da CAIXA, ao ouvir e acolher a voz do cliente e do cidadão foi, e pode voltar a ser, um importante instrumento de participação da sociedade civil no banco que pertence a todos os brasileiros e brasileiras.

 

Isabel Gomes, advogada, é empregada CAIXA aposentada e foi responsável pela estruturação da Ouvidora da empresa. Foi a primeira Ouvidora da CAIXA, no período de 2002 a 2007.