Por Márcia Kumer*
Meu nome é Márcia Kumer e ingressei na CAIXA, no concurso de 1982, num tempo do prenúncio do Consenso de Washington, que inaugurou os vários processos de retirada de direitos dos trabalhadores, fomentado pela política neoliberal. Estive, por 34 anos trabalhando na CAIXA, me aposentei em 2016, mas o vínculo com esta empresa ainda permanece vivo dentro de mim.
Nossa geração foi a responsável pela conquista do direito de sermos reconhecidos como bancários e bancárias e pelo direito a nos organizarmos em sindicatos, no ano de 1986. Já nos dávamos conta, como empregados públicos, do desafio frente às premissas do “Consenso de Washington”, de esvaziar o papel do Estado como indutor de desenvolvimento e colocar a população à serviço do capital. Nesse sentido, coletivamente, nos preparamos para apontar caminhos para as políticas habitacionais e de desenvolvimento e denunciar a falta de iniciativas estatais que dessem conta de serviços que deveriam atender à população.
Foram muitos seminários e congressos realizados, discutindo o papel da Caixa, mostrando os desvios que ocorriam, a exemplo do que acontecia na gestão dos recursos do FGTS. Nestas discussões, percebemos o quanto o FGTS, criado em 1966, era mal gerido e quão pouco dos seus recursos eram aplicados conforme as diretrizes. Assim, em 1989, nossa luta junto com parlamentares valiosos, fez com que o Tribunal de Contas demonstrasse, com estudos de técnicos de todo o governo, a apropriação que o sistema financeiro fez da maior parte dos recursos do FGTS, enquanto sua gestão esteve descentralizada pelos diversos bancos, em detrimento do trabalhador.
Esses estudos indicaram mudanças e a Caixa passou a ser gestora desses recursos, bem como foi realizada a reestruturação do Conselho Curador do Fundo. No ano seguinte, em 1990, assume a presidência, Collor de Mello, e um dos seus primeiros atos foi a publicação de uma Medida Provisória que revogou as disposições da lei que ainda não tinha feito aniversário. Ele também esvaziou o Conselho Curador e as normas que garantiam a estrutura sustentável do FGTS.
Nós éramos novatos, afinal só tínhamos quatro anos de sindicalização, mas com muita persistência, conseguimos junto ao Congresso Nacional estruturar a Lei 8036/90 e garantir alguns preceitos básicos que protegeram a parte da gestão relativa aos depósitos do trabalhador. Passados tanto tempo quero, com esse relato, registrar que a CAIXA é um patrimônio público, construído ao longo dos anos por toda a população brasileira. Seus empregados trabalham com muita dedicação para que a empresa cumpra sua missão e tem demonstrado competência nas atribuições que são confiadas pelo Estado. Possui um quadro técnico de excelência ciente das atribuições da empresa pública.
A principal agente de políticas públicas federais – A CAIXA é um braço do Estado na implementação de políticas públicas, importantes para o desenvolvimento com inclusão no país. Para demonstrarmos estas ações vale destacar as políticas públicas que ocorreram na primeira década de 2000 até meados de 2016, as quais envolveram cerca de 85 mil projetos que se vinculam a políticas públicas do governo federal, com a participação dos municípios e Estados, e que a CAIXA atuou na implementação, em atendimento às demandas da sociedade.
Políticas articuladas que geraram emprego, renda, receitas públicas, e um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Neste período, foram cerca de 22 milhões de empregos que capitalizaram o FGTS e geraram novas possibilidades de financiamento de projetos. E um dado claro é a utilização dos recursos do FGTS. Observe-se que o orçamento para aplicação em habitação, em 2003, era a ordem de R$ 11 bilhões, e em 2016, alcançaram mais de R$ 90 bilhões. Por outro lado, em 2021, este mesmo orçamento esteve na ordem de R$ 60 bilhões.
Trata-se de um retrocesso de 34% nos valores disponíveis para aplicação, fato que revela a falta da articulação de políticas de geração de emprego e que resultam na carência de oferta de moradias para a população mais vulnerável, missão essencial do papel da CAIXA.
A hora de reconstrução da empresa – No Início deste ano, empregados da ativa e aposentados, organizaram o Comitê de Luta em Defesa da CAIXA para discutir e propor o papel da empresa para o ano de 2023. Frente ao seu esvaziamento como principal agente executor da política de Habitação Social, realizamos um Seminário e convidamos a professora Ermínia Maricato e o professor Nabil Bonduki, para nos falar sobre as cidades e o acesso a moradia pelas famílias. Neste seminário foi apresentado um estudo que mostra que somente 18% das famílias, que compõe o déficit habitacional, tem acesso em função da rende que recebem a financiamento habitacional.
E, ainda, que cerca de 84% das famílias que compõe o déficit habitacional estão concentradas na faixa de renda de até 3 salários-mínimos cuja população, sem aporte de subsídio, não consegue ter acesso a aquisição da sua moradia. Diante destes dados fomos analisar os gastos com a execução do orçamento, a partir de 2016, e os dados são preocupantes. O Orçamento da União para compor o subsídio dos financiamentos é praticamente inexistente.
Verifica-se que são inúmeras as ações deste governo para esvaziar as funções de Estado para as ações de construção da melhoria de vida da população. Inexistindo projetos novos, em especial aqueles com o objetivo de facilitar e promover a aquisição de casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, conforme os termos do artigo 2º do Decreto Lei nº 759/1969, norma de criação da CAIXA.
Neste processo vê-se também as alterações na sua estrutura, quer seja a venda de subsidiárias, bem como as alterações estruturais da empresa que promovem a enfraquecimento da inteligência corporativa construída em áreas estratégicas por anos, promovida por transferências e destituições de funções de empregados.
A humilhação das trabalhadoras – Durante a construção destas proposições surge uma nova realidade revelada, qual seja a escabrosa situação que as trabalhadoras da CAIXA foram submetidas neste processo de desmonte da instituição e humilhação das suas trabalhadoras. Além de todo o processo de pressão e denúncias realizado por nossas entidades representativas durante este período recente que se abateu sobre todo os empregados, se descortina um quadro de horror, implementado a partir do início deste governo, uma realidade inimaginável para uma instituição do porte da Caixa Econômica Federal. Uma gestão que mostra uma face perversa do poder de dirigente, bem como que se afasta dos preceitos da finalidade da empresa pública.
Revela-se a destruição de áreas fim da empresa e, após isto, a humilhação que surgem das inúmeras denúncias de assédio sexual com relação à postura do dirigente e sua gestão. O ciclo foi interrompido pela voz de bravas mulheres que tiveram a coragem de denunciar o perversor com a intenção de cessar esse estado de coisas e que descortinou um projeto de poder próprio, que reverberou de certa forma na empresa como um desvario autoritário com a implantação de uma política de assédio institucional.
Aquele “senhor” utilizava a “estratégia” do medo para desconstruir e submeter, em especial mulheres, a sua própria satisfação, que se distancia dos valores quer seja moral, social ou institucional da empresa, em pleno século XXI, na vigência da Constituição, do Código Penal, da CLT e das normas que regem a empresa pública. O que temos visto, após a destituição de Pedro Guimarães, é apenas um anúncio midiático de um novo produto comercial destinado às mulheres para venda nas agências da CAIXA.
É por isso, que o Comitê Popular de Luta em Defesa da CAIXA, não irá descansar na garantia de medidas institucionais sérias, dentro e fora da empresa, para que este tipo de processo nunca mais se repita e que os assediadores sejam responsabilizados civil e criminalmente.
*Márcia Kumer é empregada da CAIXA aposentada, local onde dedicou 34 anos da luta pela valorização e sustentabilidade da empresa. Atualmente é uma das fundadoras e coordenadoras do Comitê Popular de Luta em Defesa da CAIXA