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Para onde nos levou e pode levar a total falta de consciência política

Por Camila A. M.*

Alguns acontecimentos na sociedade que chocam a todos como, mais recentemente, o homicídio por divergência partidária envolvendo um guarda municipal e um agente penitenciário federal em Foz do Iguaçu, fazem com que as pessoas discutam intensamente, proporcionando reflexões e debates sobre temas como conscientização política, bem como a alienação política e seus impactos.

A formação da consciência é um tema abordado por alguns teóricos de distintas maneiras e importante se faz, neste momento, trazer o assunto antes de versar sobre a política e a consciência política para compreender como estão imbricados.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, afirma que a constituição da consciência do indivíduo forma-se através de suas trajetórias sociais, tais como a profissional, religiosa, política etc.

Já Émile Durkheim, realiza uma distinção em sua teoria entre consciência coletiva e consciência individual. Para ele, consciência coletiva é o conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade, que forma um sistema determinado que tem sua vida própria. Portanto, algo inteiramente diferente das consciências particulares, ainda que não se realize nos indivíduos.

Já a consciência individual emana das subordinações que um indivíduo possui de outro, que ocorre devido ao processo de divisão social do trabalho. Durkheim considera que a consciência coletiva é forte quando em uma sociedade não há divisão de trabalho, e que ela definha quando há divisão de trabalho. Isso ocorre, pois o coletivo, a consciência coletiva, a qual é passada de geração para geração, gera o sentimento de pertencimento a uma sociedade e, assim, a solidariedade social; fator fundamental na explicação da constituição das organizações sociais.

Para o filósofo Karl Marx, a elucidação da formação da consciência provém das atitudes sociais; as relações que o ser social possui com os outros indivíduos e com a base da sociedade, sua infraestrutura. A consciência perpassa, assim, por situações do indivíduo no processo de produção econômica, condicionando a formação de sua consciência.

E por este mesmo motivo, a consciência individual se opõe a consciência coletiva, ou seja, quanto mais fortalecida a consciência coletiva, mais fraca será a consciência individual. Portanto, a divisão social do trabalho enfraquece a consciência coletiva, e fortalece a consciência individual. Durkheim delimitou sua análise da sociedade à consciência coletiva, em contraposição a Marx, Weber e Bourdieu que procuraram expor mais a consciência individual. Durkheim salientou a importância da educação e da ciência para a formação da consciência que tem por objetivo formar o ser social; consiste num esforço contínuo de impor maneiras de ver, sentir e agir, as quais não chegariam espontaneamente. Já Weber evidenciou principalmente os aspectos políticos da formação da consciência do indivíduo. Bourdieu enfatizou as maneiras de pensar do indivíduo que, por consequência, segue a formação da consciência.

Constata-se, assim, que a formação da consciência está intrinsicamente ligada à formação da consciência política, como podemos verificar que, independentemente da teoria, envolve questões sobre como isso afeta a vida em sociedade e opera na transformação social. Vemos, frequentemente, pessoas falarem que não gostam de discutir política trazendo uma conotação do senso comum de política partidária ou ideológica sem ponderar a respeito de como a política envolve tudo que nos cerca e temáticas que, diariamente, debatemos e contestamos como qualidade do ensino; investimento em saúde pública; aumento dos preços dos alimentos; dos combustíveis e tudo que impacta diretamente nossas vidas.

Em 2001, foi publicado o Modelo da Consciência Política (MCP) na primeira edição da Revista Psicologia Política por Salvador Sandoval, o qual vem sendo desde então aplicado e desenvolvido por outros pesquisadores “demonstrando a consistência e a utilidade de nosso modelo para ordenar analiticamente os conteúdos do pensamento das pessoas no estudo de determinantes psicopolíticos da participação política.” (Sandoval, 2015, p. 180)

O MCP será apresentado como referência para o desenvolvimento do texto, pois vem sendo adaptado e revisado. Entretanto, o diálogo proposto é pertinente ao contexto apresentado. O modelo possui, assim, sete dimensões – sobrepostas e interseccionais, atravessadas pelos sentimentos emotivos – da ação individual e coletiva:

Verificamos na figura uma retomada às teorias já mencionadas, e, neste caso, tratando do impacto das sete dimensões na consciência política. As características e relações das dimensões da consciência política, são produzidas a partir de experiências sociais vivenciadas pelos indivíduos, sendo o ambiente ideológico do momento histórico o seu principal determinante. Ou seja, tudo que circunda nossa realidade é político e a necessidade dessa consciência não se limita a partidarismos, ideologias, paixões e nem pode ser delimitado. Assim, dizer que “religião, futebol e política não se discutem” é infundado e insustentável, diferentemente de quando nos referimos a outros assuntos que não afetam ou não deveriam interferir nas decisões eleitorais.

Não deveriam, pois não é o que ocorre em nossa sociedade em que a religião exerce uma grande influência não só na vida particular, tendo implicações inclusive nestas decisões políticas. E o que observamos é que há figuras públicas se utilizando desta suscetibilidade para manipular opiniões, como demonstra uma pesquisa feita pelo Instituto DataSenado que envolveu 5.888 cidadãos acima de 16 anos, com representatividade em todos os estados. Os questionamentos foram aplicados de 18 de novembro a 14 de dezembro de 2021:

Num cenário em que 82% dos eleitores declaram que a religião é muito importante em sua vida, 52% acreditam que, na hora de fazer leis, os políticos devem levar em conta o que dizem as tradições religiosas. Mas para igual percentual (52%), não é bom para o país quando líderes religiosos assumem cargos políticos.

A maioria (58%) também afirma que a religião não tem influência nas suas escolhas políticas, diferentemente da família, cuja opinião pesa em 54% dos casos.

Entre os entrevistados, 45% dizem-se católicos e 34%, evangélicos. (Agência Senado)

O que vemos atualmente é o discurso permeando e deturpando ideologias, objetivos, necessidades reais e até mesmo realidades com o uso de diversos meios que facilitaram esta distorção como os debates recentes sobre mídias sociais e discursos com tendências de aviltamento para chamar a atenção, ofensas, deboches, entre outras formas de práticas discursivas que contribuem para uma mudança ideológica, mesmo que não estejamos necessariamente conscientes da significação.

As mídias, assim como falado sobre a religião em alguns casos, fazem parte da decisão e principal fonte de busca de informações sobre política, também como relata a pesquisa do Instituto DataSenado: “televisão (37%), redes sociais (24%) e páginas na internet (23%) são os principais meios de comunicação na busca de informações sobre política. Nas redes sociais, a maior procura é pelo Facebook (35%) e pelo Instagram (27%). Apenas 14% dos entrevistados dizem seguir algum senador nas redes sociais.”

Ideologias são construções de realidade e, como tal, contribuem na produção, reprodução e, mais importante, transformação das relações na sociedade, inclusive, nas relações de dominação. Neste sentido, tudo que nos vem sendo bombardeado de informação de diversas maneiras e canais de comunicação não necessariamente vem sendo analisado de forma criteriosa. O que vivenciamos, como consequência disso, é a falta de diálogo que leva a extremismos e já tem nos levado como o fato mencionado no início do texto. Ou seja, um ciclo com fim previsível como Locke relata em seu Segundo Tratado Sobre o Governo, Capítulo VIII:

Se acrescentarmos a diversidade de opiniões e a contrariedade de interesses fatalmente presentes em todas as relações humanas, a participação numa tal sociedade seria apenas como a ida de Catão ao teatro, somente para sair de novo! Uma constituição deste feitio seria um monstro de vida curta (…) (1994, p.98)

 

* Camila A. M. é o pseudônimo de uma bancária. Ela assina com esse nome, pois é a única forma de garantir que não sofra perseguição.

Referências:

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/17/falta-conhecimento-do-eleitor-sobre-o-sistema-politico-aponta-datasenado . Acessado em: 13 de julho de 2022.

Locke, John (1994). Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis: Vozes.

Sandoval, Salvador A. M. (2015). A Psicologia Política da crise do movimento sindical brasileiro dos anos 1990: Uma análise da consciência política num momento de desmobilização. Em Alessandro Soares da Silva., & Felipe Corrêa. (Orgs.), No interstício das disciplinaridades: a psicologia política. Curitiba: Prismas.

Sandoval, Salvador A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Revista Psicologia Política, 1(1), 173-195. Acessado em: 19 de julho de 2022, de: <http://www.fafich.ufmg.br/~psicopol/pdfv1r1/Salvador.pdf>.